segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

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Na cama com o Demónio
Parte 1


Solta em direcção ao tecto a última bafurada do seu Marlboro enquanto observa a cinza incandescente corroer o filtro. O fumo que se solta num cheiro a queimado diz-lhe que é melhor ficar por ali. “Acabou-se”.
Sem vontade, estende a mão e apaga o que resta do cigarro nas paredes do cinzeiro improvisado - uma tigela de barro onde uma mão cheia de beatas flutua num mar de cinza. Na mesinha de cabeceira repousa o copo da noite anterior ainda com uma fina lâmina de vinho tinto. Sem hesitar, vira-o de uma vez só e deixa que o balanço do gole lhe devolva a nuca à almofada. Permanece imóvel, saboreando calmamente aqueles escassos segundos de descanso enquanto sente o sabor acre do “Duas Quintas” lamber-lhe as entranhas. “Mais um copo… mais uma noite desconhecida… mais dois passos no trilho da Perdição. James meu caro, estes doces prazeres são a tua desgraça”. A curta linha de pensamento cessa com uma falsa promessa: “um dia vou parar com tudo isto. Um dia… não hoje”. O cansaço que lhe rasga o corpo transforma num arrastar doloroso o simples movimento de sentar-se na cama. De pés plantados no soalho, enterra os cotovelos nas pernas e apoia a cara inchada entre as mãos. Permanece nesta posição durante um minuto; inerte; dormente. A custo, ergue a cabeça e desprega os olhos mal dormidos, que, desorientados, procuram as horas no pequeno despertador. “Três e vinte e três da manhã e a vontade de estoirar não desaparece” deixa escapar num suspiro dorido. Sente o cheiro a sexo que envolve o quarto e afia um sorriso. Inspira lentamente essa essência quente que logo se instala na líbido e, num arrastar prolongado, roda o corpo para trás. Deitada de barriga para baixo, a mulher de pele branca e cabelos cor de fogo dorme embalada num sono químico. Observa demoradamente o corpo que o recebera e com a ponta dos dedos desliza uma carícia que se estende das coxas às nádegas. “Pobre Andretta, como foste capaz de te entregar a um cão danado como eu…” pergunta sem remorsos ao vazio.
James deixa cair o seu corpo sobre a cama e beija-a no ombro sem recear que acorde. Saboreia-a sem pudor uma vez mais. O desejo carnal logo o deixa de sexo em riste. Trôpego, levanta-se da cama receando não ter forças para resistir a mais um mergulho no quente Triângulo de Vénus, onde Mundos se encontram e Homens se perdem. “Tem calma rapaz, poucas são as coisas que um duche de água fria não resolve” pensa numa falsa resignação ao desligar o pequeno candeeiro que espalha uma luz suave pelo quarto.